terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Córrego de água em meio ao deserto

Contrastes da Rússia: as "Areias de Tcharskye"
contracenam com os picos gelados 
A Rússia é um complexo encontro de dois mundos. Por suas infinitas planícies, sempre transitaram levas de populações que acabaram por fazer uma simbiose das culturas ocidentais e orientais. Numa extensão que vai desde o Mar do
Japão até a fronteira da Europa Central, e das geladas localidades polares até os desertos persas, as inúmeras faces das culturas se sobrepõem, às vezes de forma harmoniosa e elegante, mas às vezes de forma abrupta e raivosa.
É sabido que um dos importantes traços da cultura é a religião, e a Rússia é um país, por assim dizer, multirreligioso. Das antigas tradições xamãs, passando pelo Cristianismo, Islamismo, Budismo e muitas outras filosofias e práticas religiosas, todas convivendo dentro das extensas fronteiras de um gigante. Nos anos da União Soviética, que abraçava mais territórios, procurou-se padronizar, unificar os povos que ali viviam. A ideologia marxista-leninista, com o seu ateísmo aberto, foi aspergida sobre as massas, e muitos convenientemente abandonaram suas crenças. Mas o fim da URSS provocou uma volta desesperada às raízes culturais, e em especial, às crenças religiosas.
Na Rússia, país tradicionalmente cristão, da linha ortodoxa, multidões foram para as igrejas serem batizados. Os templos lotaram de ex-comunistas ateus que voltavam finalmente às raízes ortodoxas. O mesmo processo aconteceu pelas outras repúblicas, e em especial, nas historicamente de predominância islâmica. As velhas rixas e desavenças religiosas acabaram aflorando novamente, e na Ásia Central, tornava-se cada vez mais arriscado não ser muçulmano. Patriotismo e religião sempre andaram juntos.
Cidade de Grozniy, capital de Chechênia durante a guerra
A guerra da Chechênia, na região do Cáucaso, demonstrou o quanto a polarização étnico-religiosa poderia ser usada. Os rebeldes que buscavam a independência de Moscou tomaram a bandeira do Islã contra os infiéis russos. Este sentimento de antagonismo religiosa se acirrava também além das fronteiras russas, nos países vizinhos à zona de conflito. Levas de cristãos ortodoxos eram expulsos pelos rebeldes ou retirados pelo governo russo para evitar calamidades maiores.
Em 2002 conhecemos uma moça na igreja em Krymsk, perto de Krasnodar, que era uma refugiada da Chechênia. Ela estava dirigindo o louvor num grupo caseiro quando a conhecemos. Nitidamente, ela estava aliviada por não viver mais na zona que esteve em conflito nos últimos anos. Mas o tom de uma ferida aberta na alma ainda ecoava pela sala daquela casa que nos recebia. Muitas vidas se perderam, muitas almas se foram para a eternidade, sem ao menos saberem os motivos de tanto ódio.
Quando voltamos para a Rússia em 2005, a situação estava razoavelmente controlada na Chechênia, que ficava “perto” de onde morávamos, uns 500 quilômetros de Krasnodar. Nos anos de conflitos, uma bomba chegou a explodir no Mercado Central de Krasnodar, e um outras cidades da região sempre havia o perigo de um ataque suicida. Nos noticiários, durante o tempo que estivemos no país, apareciam cenas de atentados em cidades próximas da nossa, no estado vizinho. A situação, na realidade, nunca esteve tranquila. Sempre havia o medo de que o que ocorreu numa escola em Beslan pudesse se repetir em qualquer escola por perto.
Uzbequistão, um país muçulmano
Em 2006, ouvi pela primeira vez a história de uma
testemunha ocular das perseguições que ocorriam no Uzbequistão. Um dia a polícia chegou no Café onde se reunia a igreja. Os irmãos se assentavam às mesas, compartilhavam passagens ali mesmo, cantavam discretamente acompanhados por um violão e um microfone acoplados numa caixa de som. Tudo muito discreto... Mas a polícia chegou, confiscou tudo, acabou com a reunião e prendeu os líderes. Era apenas uma demonstração de força contra a igreja. Reuniões não eram permitidas em espaços públicos. Mas ambientes privados não podiam ser alugados...
Ásia Central
Ao fim da conversa com aquele irmão, ele disse: “Se vocês acham que a situação está complicada na Rússia, precisam saber o que ocorre lá de onde vim! Vocês vivem num oásis no deserto...”. Despedi-me dele, voltando pensativo, sobre os desertos que nos rodeiam. Mas na realidade, pareceu-me por fim que eles estão nas correntes de água, junto com Cristo, e penso em quantos de nós que vivemos no oásis, sedentos de Deus.
Bem disse Jeremias "Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está.
Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto". Jeremias 17:7-8


Leialdo


Veja os outros artigos da Série Perseguição na Rússia:

Nenhum comentário:

Postar um comentário