quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Basta o mal de cada dia!


 (Mt 6.24)

Nos anos 90, a igreja evangélica russa experimentou uma liberdade que não havia tido pelas últimas décadas. Rapidamente as salas de cinema foram tomadas pelos cultos cristãos. Lugares de propagação de doutrinas marxistas-leninistas se converteram em salões de reunião dos antes atacados religiosos. A falta de recursos para manutenção dos locais e do pessoal que lá trabalhava colaborou para a abertura de novos centros de pregação, pois o aluguel pago pelas
organizações cristãs, acabava salvando o orçamento debilitado que tais lugares recebiam do governo. Até mesmo o jornal Pravda, órgão oficial do governo (ateu), por causa da crise, aceitou imprimir milhares de Bíblias naquela década.

Quando os anos turbulentos na economia passaram, as “vacas magras” despontaram no horizonte das igrejas. Os teatros, os cinemas e os centros culturais começaram a receber cada vez mais financiamentos do governo, que investia novamente na cultura, que sempre foi a marca registrada daquelas terras.

Igreja em construção - Krasnodar
A igreja que frequentamos no nosso primeiro ano em Krasnodar se reunia num cinema alugado. O prédio já desgastado pelo tempo, ficava um pouco afastado do centro da cidade. Precisávamos pegar um bonde, atravessando a cidade, viagem de uma hora aproximadamente. Depois eram mais 20 minutos caminhando até o local (caso nevasse, o deslocamento era mais demorado). Contudo, aquela comunidade cristã estava construindo o seu templo, num local muito mais privilegiado. O terreno ficava a duas quadras do cruzamento das 2 principais avenidas da cidade, no coração de Krasnodar. Mas o processo de finalização das obras vinha se prorrogando indefinidamente, não por falta de recursos financeiros, mas pela longa batalha judicial que estava sendo travada com a prefeitura local.

O endereço logo chamou a atenção de algumas pessoas, que mobilizaram todo o aparato municipal para tirar a posse do terreno da igreja. Havia ainda a pressão anti-religiosa. Em 2005, após quase 10 anos de desgastes, a igreja sofrera um golpe praticamente fatal. A justiça havia dado ganho de causa para a prefeitura, e ordenou a demolição imediata do prédio que estava quase pronto. Parecia que toda aquela luta havia sido em vão. Pensou-se em apelar para instâncias internacionais e levantar um movimento de proporções maiores, mas que pouco efeito prático teria. A situação foi exposta para várias outras organizações e igrejas para que orassem pelo caso, pois isto abriria um precedente perigoso, inclusive contra as outras igrejas. Um último recurso foi feito, fazendo com que o prédio não fosse demolido (ao menos por algum tempo até ser julgado o recurso) e as obras foram retomadas, mesmo que de forma lenta e precavida.

Por fim, no último momento, a Justiça Nacional deu ganho de causa para a igreja local!!! Aquela longa luta havia se encerrado, mas cobrou um alto preço. A igreja se desgastou, perdeu muitos membros que se desmotivaram ao longo de toda aquela questão. Atritos com a prefeitura levou a uma morosidade e falta de vontade por parte da prefeitura de liberar determinados documentos, enfim, a batalha deixou muitas feridas. Além disto, isto serviu de travamento e perseguição por parte da prefeitura para com a Universidade Cristã que mencionamos no artigo anterior.

No ano seguinte, 2006, fomos para uma outra igreja que estava em seus estágios iniciais, mais perto de nossa casa. Ela se reunia num bar, no domingo de manhã, pois ninguém mais alugava locais para as “seitas”. Ficamos lá por um ano e meio, até o dono do bar pedir para não irmos mais lá. Precisamos encontrar rapidamente outro local, pois as chaves foram recolhidas pelo dono na mesma semana que ele fez o pedido. Mas não foi possível encontrar outro local, pois como dissemos, não haviam mais pessoas dispostas a colocar seu estabelecimento à disposição dos “sectários”. Depois de 1 mês, encontramos uma velha igreja que nos ofereceu a oportunidade de nos reunirmos ali. Mas muitos não mais continuaram conosco, pois o local era muito longe do bairro onde nos reuníamos.

A obra na Rússia é assim, nunca se tem certeza de que amanhã se terá o que temos hoje. Cada dia é um leão a ser vencido. Lá, basta o mal de cada dia...


Leialdo Pulz

Veja os outros artigos da Série Perseguição na Rússia:

Nenhum comentário:

Postar um comentário