segunda-feira, 7 de outubro de 2013


AS FONTES DA RELIGIÃO

Aleksand Men


INTRODUÇÃO DO AUTOR


Para todos aqueles que se preocupam com questões da cultura espiritual, o problema da origem do cristianismo deve ser de grande interesse. Ele sempre atrai a atenção das pessoas: tentou-se entender o cristianismo a partir de várias posições e diferentes ângulos de vista. Mas , por estranho que pareça , até mesmo os defensores de pontos de vista tão distantes um do outro concentraram suas atenções de forma especial à  época e o ambiente onde o cristianismo surgiu . Mesmo a literatura teológica, como regra geral, se limitada a estava abordagem. Enquanto isso , as Boas Novas trazida pela pregação do Evangelho , foi uma resposta não só às aspirações do povo da era de Augusto e Tibério . Foi exatamente no cristianismo que se chegou ao auge de um longo progresso histórico mundial de busca religiosa da humanidade.

Durante séculos , as pessoas passaram por um sem-números de estradas e trilhas , experimentando quase tudo o que foi capaz de captar o espírito humano – desde um misticismo que negava o mundo material até ao materialismo que negava a Deus. E só quando os caminhos foram passados ​​e a busca exaurida, chegou ,conforme a linguagem bíblica , "a plenitude dos tempos ". No mundo apareceu uma revelação - o maior de todos os mistérios – e para o homem foi mostrado o caminho para a vida perfeita.

No entanto, as pessoas são livres para aceitar ou rejeitar o evangelho. Sua liberdade foi deixada intocada. A chave para esta liberdade foi a humilhação histórica de Jesus de Nazaré, a chave foi o Calvário. O Calvário levou até mesmo a vacilar o mais fiel e amoroso, mas esta era a chave para a sua inédita doutrina paradoxal, ao qual não era possível sem esforço, sem as obras da fé.

Em vão as pessoas aplicaram ao Cristianismo as suas medidas usuais: alguns exigiam sanções e sinais sagrados , outros - provas filosóficas. Mas Igreja pela boca do apóstolo Paulo respondeu: " Nós pregamos Cristo crucificado, para os judeus - uma escândalo, para os gregos uma loucura . "

A mensagem não era humana, mas divina. O Evangelho saiu como um fluxo da existência histórica. Ele cativou a muitos, e para alguns, foi um escândalo ou uma loucura. Alguns receberam-no, mas depois recuaram. Contudo este mundo já não tinha, na verdade, para onde ir. Restava apenas vez após vez repetir os equívocos, que fascinaram o espírito humano em tempos pré-cristãos . O afastamento de Cristo realmente significou um retorno a Buda ou Confúcio, Zoroastro, ou Platão, Demócrito ou Epicuro .

Verdadeiramente estava correto o antigo autor de Eclesiastes quando disse : . " Não há nada de novo debaixo do sol". Considerando-se qualquer um dos movimentos ou doutrinas que surgiram durante estes últimos vinte séculos, somos convencidos de que todos eles se resumem a uma ressurreição de algo que já existia anteriormente.

Mesmo entre os cristãos muitas vezes se manifestam recorrência de conhecimento pré-evangélico. Eles aparecem no espiritismo renunciado e na intolerância autoritária , e na feitiçaria. E isso até é compreensível, afinal, se compararmos as centenas de séculos anteriores ao Cristianismo com os dois mil anos de História Cristã, é um tempo insignificante para superar o paganismo e fazer pelo menos uma pequena parte da tarefa que nos foi confiada pelo homem-Deus neste mundo. E esta tarefa é realmente absoluta e inesgotável. Pode-se dizer que o "fermento" do Evangelho acaba de começar seu efeito transformador .

Ao se falar de todo este passado religioso do mundo, também é falar de alguma forma do nosso presente.

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Cerca de cem anos atrás, o grande filósofo russo Vladimir Solovyov um dos primeiros a focar no pensamento cristão sobre a história religiosa. Ele planejava dedicar uma extensa pesquisa. "O propósito deste trabalho - disse Solovyov – é ser uma explicação das religiões antigas, que se faz necessária porque sem isto é impossível entender a história do mundo em geral e a história do cristianismo em particular". Por várias razões, o trabalho não foi implementado. Solovyov descreveu apenas as idéias básicas de seu suposto livro. Até certo ponto, naqueles dias isto foi feito no trabalho de três volumes do bispo Chrysanthos (Retivtsev), intitulado " Religiões do mundo antigo em sua relação com o Cristianismo " (1873-1875). Mas para todos os efeitos, este trabalho em grande parte ficou desatualizado, especialmente no que se refere ao Antigo Testamento. Uma série de estudiosos ortodoxos realizou no início do século XX uma tentativa de demonstrar o conceito de Vl. Solovyov . Foram eles: Vvedenskii (Consciência religiosa do paganismo Vol.1, Moscou, 1902) , o padre . A.Klitin ( A história da religião . Odessa, 1911) , o padre . N.Bogolyubov ( Filosofia da Religião. T. 1 . Kiev, 1918) . Mas nenhum desses estudos foram concluídos. O único ensaio concluído foi  o de A. Elchaninov , então um ex-pedagogo, que foi escrito com P. Florensky e S. Bulgakov (Wiley, 1911). No entanto , este trabalho clareou, brevemente , apenas os momentos mais importantes da história religiosa . Mais tarde, num artigo de N.Berdyaev  intitulado "A Ciência da religião e a apologética cristã " (1927) foram identificadas outras formas de estudar as crenças pré-cristãs à luz da ortodoxia.

Neste multi-volume foi proposta a tarefa de cumprir de certa forma o que propôs  Vl. Solovyovo. Mas o método da apresentação  do ciclo "Em busca do Caminho, da Verdade e da Vida " é diferente das experiências anteriores. O principal objetivo deste trabalho é , na medida do possível, retratar o quadro dramático da história espiritual. Para recria-lo à luz da de toda a cosmovisão cristã , o autor trouxe uma rica herança de pensamento teológico e científico. Por isto, todo o ciclo pode ser visto como uma espécie de tentativa de uma síntese religiosa-filosofica e histórica.

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Talvez alguns leitores verão nestas páginas uma espécie de apologia de religiões não-cristãs. Mas não devemos esquecer que a esfera religiosa é uma área muito especial. Sem penetrar no próprio espírito do credo, sem ao menos uma identificação parcial com seus seguidores, não é possível entender a natureza das religiões. Só o caminho da empatia interna, quando buscamos a verdade junto aos animistas , budistas ou um filósofo grego , nos ajudará a compreender a dinâmica da religião genuína que preparou o mundo para o fenômeno do Deus-homem. O movimento para este centro, ou ponto mais alto, é uma visão realmente espetacular, e seguindo isto, podemos entender melhor o significado do cristianismo. A busca do “Caminho, a Verdade e a Vida”, dá a oportunidade para um novo olhar sobre o Evangelho, vê-lo numa perspectiva global mais ampla.

Antes de sair nesta longa jornada através dos séculos e continentes, precisamos lidar com a questão sobre a natureza e origem da religião, assim como  na própria "complicação " do drama religioso e histórico. Isso será o conteúdo do primeiro volume, o que é uma espécie de introdução para o resto. Por seu caráter, ele é obrigado a ser diferente de todos os seguintes, em função do tema abordar algumas questões gerais. De forma a não quebrar o fio da apresentação principal, no final do livro e dado um número de explanações especiais. Devido ao fato deste trabalho ser relativamente pequeno, não é possível resolver completamente todos os problemas levantados, em todos os lugares  foram postas as indicações de fontes e uma bibliografia para quem estiver interessado no assunto poder sozinho aprofundar a questão.


Se proposta série de livros ajudar ao leitor a ver na história das religiões não uma multidão de equívocos, mas  fluxos de rios e córregos, que desaguarão no Oceano do Novo Testamento , o propósito do autor será alcançado.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013



As origens da cultura espiritual do mundo



Há alguns anos atrás eu tive que viajar para a Ásia Central e subir numa balsa que atravessa o rio Amu Darya *. Esta balsa era muito lenta. A margem era despida, coberta apenas por alguns raros arbustos rasteiros, a água era verde-escura, e enquanto a balsa estava se movendo lentamente, eu pensei que este rio era como o antigo Eufrates e como todos os outros rios da Antiguidade, onde a civilização começou. E então me lembrei que não foi muito longe daquele lugar, a partir do Amu Darya, um pouco mais a leste, havia ocorrido um outro evento interessante relacionado com as origens espirituais da raça humana.


* Este é  rio mais extenso da Ásia Central. Grande parte dos escritos medievais islâmicos, referem-se ao Amu Dária como Jayhoun, nome dado a um dos quatro rios do Paraíso. Na Antiguidade Clássica, o rio era conhecido em grego como Oxus . Ele se passa pela fronteira do Afeganistão com o Tajiquistão, seguindo depois para o Uzbequistão, e desaparecendo no deserto antes de chegar a desaguar no Mar Aral.


Esta foi a ideologia do séculos XVIII e XIX . Aos poucos, porém , esse mito de homens selvagens inferiores começou a se disseminar. Provavelmente muitos de vocês já ouviram os nomes de famosos estudiosos em seu tempo ( cerca de 100 anos atrás) tais como Edward Taylor ( ele foi um dos maiores especialistas em mitologia e fé primitiva ) e  James George Frazer , cujos livros , como "Ramo dourado". Não tendo contato direto com as pessoas deste nível primitivo , os chamados selvagens , recebendo apenas materiais de terceira mão , eles criaram a sua própria concepção do que seria este nível dos antigos seres humanos de selvageria , trevas e a inocência primitiva do homem, que estariam num nível inferior de desenvolvimento da civilização material. Contudo, posteriormente, muitos deles foram forçados a abandonar essa visão. Nikolái Miklujo-Maklái foi um dos primeiros que, ainda que brevemente , entrou no mundo dessas pessoas “selvagens”. E o que ele descobriu? O fato de que aquelas são as mesmas pessoas que nós, com os mesmos sentimentos , paixões, pecados e erros , com a mesma capacidade de pensar de forma lógica e clara. Nikolái Miklujo-Maklái escreveu: "nas suas crenças e em sua vida íntima , eu tentei não penetrar." Ele era muito atencioso, e escreveu que o curto espaço de tempo que viveu na costa da Guiné, não era suficiente para entender a alma do homem primitivo. 
Mas na continuidade do trabalho de  Miklujo-Maklái e outros pioneiros-exploradores veio todo um exército de novos pesquisadores atrás dos misteriosos moradores das florestas e savanas . O que eles descobriram? Descobriu-se que nos confins da Amazônia ou nos semi-desertos da Austrália viviam pessoas de alta cultura, de uma a cultura muito antiga. Esta era uma cultura totalmente diferente da nossa. Os australianos , por exemplo, têm um sistema complexo de relações , rituais , muitas lendas, contos folclóricos e mitos . Eles representam a natureza, os seres humanos e o “princípio maior” de uma maneira especial. E na base dessas idéias eles constroem as relações sociais e culturais. Tornou-se claro que o homem primitivo era “primitivo” em questões como tecnologia e civilização, mas mentalmente ele não é pode ser tomado como “primitivo”.
Um pesquisador disse: se você ver o assim chamado “selvagem” que está sentado debaixo de uma árvore, olhando fixamente para um ponto, não pense logo que ele apenas se senta sem um objetivo. Essas pessoas têm uma vida interior profunda. Um dos viajantes , que viveu muito tempo nas áreas de Congo , nas densas florestas  de Ituri, no coração da África, ao ter um encontro com os pigmeus, destacou que essas pessoas têm espiritualidade, inteligência, mente, e eles têm um grande número de crenças religiosas. O nível moral destes selvagens não só foi não foi inferior do que do europeu , mas muito mais elevado. O nível de civilidade não necessariamente deve estar relacionado ao nível de primitivismo humano. Não há nenhuma conexão direta. A forma primitiva de vida não interfere com o desenvolvimento de uma estrutura espiritual muito refinada.
Mesmo antes da guerra, quando muitos ainda não haviam nascido, e eu era uma criança, lá, na Ásia Central, através dos desfiladeiros se movia  uma pequena expedição, que erai liderada por Alex Okladnikov, famoso arqueólogo. Esta expedição passou por desfiladeiros de  difícil acesso, que se localizava entre dois grandes rios. Havia tempo que se espalhavam boatos de que neste vale as pessoas acharam alguns ossos extraordinários, e lá foram encontradas pedras estranhas, como que fragmentadas pela mão de alguém. E Okladnikov, que tinha um talento já de um  arqueólogo experiente de campo, organizou para lá no verão de 1938 uma pequena expedição. Arqueólogos escalaram pelas rochas, onde podiam chegar apenas cabras da montanha, e, finalmente, chegaram à caverna. O lugar era chamado de Teshik Tosh, que em russo se traduz simplesmente como “caverna”. Quando Okladnikov e seus assistentes chegaram lá, ele encontrou restos humanos  no chão. Soube imediatamente que se tratava de uma criança, um menino, ou no máximo, um adolescente. O que chamou a atenção do arqueólogo foi o fato de poder achar quase todos os pedaços do crânio. Ele coletou e colou cento e cinquenta pedaços fossilizados do crânio; crânio estava quase intacto.
Este era o crânio de um menino pertencente a uma raça totalmente diferente da do Homo Sapiens . E quando analisou o queixo e a testa, Okladnikov identificou-o como um Neandertal , Homo Neandertales, como às vezes é chamado. Este homem na nomenclatura biológica foi considerado “homo” somente pelo seu tipo, e sendo considerado um precursor nosso, e alguns até o consideraram como sendo o ancestral direto do homem atual. 

A questão de saber qual o grau de relação que temos em relação aos neandertais , ainda é um assunto muito debatido. Estas pessoas, ou criaturas humanoides, viviam na vasta área desde o norte da Europa até a costa leste da China, da África até a Ásia Central. Cerca de 40.000 anos atrás, esta raça desapareceu em todo o planeta. A partir de então, não se podem encontrar mais os seus ossos, e no seu lugar, chegamos nós, o gênero Homo sapiens (homem que sabe). Quando Okladnikov examinou, e em seguida recolheu o esqueleto, ele viu que a criança foi enterrada , e não apenas jogada. Não só isto, a sepultura improvisada desta criança de 8-9 anos de idade foi cercada por chifres de cabras, e é sabido que na Ásia Central, até os dias de hoje , preserva-se o culto de cabras. Okladnikov contrastou este achado com outros, que tiveram lugar na Europa Ocidental. Várias vezes foram encontrados crânios de primitivos seres humanos, como os neandertais , cercado por pedras da mesma forma e tamanho, e a cabeça cercada por pedras, como se fossem os raios do sol. Estes simplórios, mas impressionantes, sinais apontam para o fato de que, mesmo antes da pessoa tornar-se  o homem atual (em todos os sentidos da palavra), a única espécie de Homo que vive na Terra agora , já havia tinha algum tipo de crença religiosa.

O que aconteceu? Os cientistas ainda debatem sobre o assunto, mas dificilmente qualquer um deles pode provar um ponto de vista e fundamentá-lo, porque não podemos mais entrar na mente daqueles homens, ou daqueles seres humanos ou criaturas sub-humanas. Ainda assim, seriam, provavelmente, um tipo diferente, e sem dúvida, de menor nível. Em sua cultura encontramos primitivas ferramentas de pedra, o uso do fogo, que foi mantido por um longo tempo, mas não encontramos formas de arte, que é um companheiro essencial para toda a história humana. E a arte de povos antigos sempre foi associado a algo espiritual, religioso. 

Muito na sociedade humana moderna está intimamente relacionado com o início da vida humana na história. Problemas sociais, familiares, sexuais, culturais, artísticas, os tradicionais problemas associados com a propriedade da terra, a xenofobia - tudo isso está enraizado na vida do antigo homem, que habitava a terra dezenas de milhares de anos antes de nós. Em nosso subconsciente ainda vivem alguns motivos , sons, algum eco , que está recordando um desses momentos . Mas o homem do século XIX , orgulhoso , eu diria até que, bêbado por sua civilização , acreditou que o mundo se desenvolveu apenas em linha reta, que o homem primitivo era um homem  inferior em todos os sentidos, um homem selvagem. 

Uma ideia similar vimos pela primeira vez no poeta romano Lucrécio , que considerava a história humana como um constante subir, das trevas da barbárie, ignorância e selvageria à civilização. Porém também é verdade que Lucrécio Carus acreditava que então tudo iria desmoronar e se deteriorar, mas isso é outro assunto. No século XIX , o pensamento era de que nenhuma degradação iria acontecer. Tomando emprestado a ideia cristã do reino de Deus como o objetivo da existência humana, como o fim da história , muitos pensadores do século XIX  e as camadas mais educadas da sociedade, por alguma razão, começaram a acreditar que o mundo estava voando, subindo, como um foguete, e que nada poderia parar o movimento progressivo. A palavra "progresso" já havia se tornado uma espécie de termo sagrado. Quando as pessoas diziam a palavra "progressista", elas automaticamente entendiam "bom". Parecia que a cada realização humana , a cada passo em seu caminho para a uma tecnologia cada vez mais avançada, ou as novas descobertas da ciência contribuíam para o progresso, e para atrás ficavam apenas a escuridão , a escuridão da Idade das Trevas . Na Antiguidade teria ocorrido um pequeno brilho, e antes disto havia a escuridão do Oriente, e  finalmente, ainda mais para trás, a longa escuridão da vida primitiva.


Obviamente, este pensamento precisava ser  confirmado e sua validação começou-se a procurar  no tempo das grandes descobertas geográficas, quando os europeus atravessaram o oceano e descobriram a América, quando pela primeira vez verdadeiramente se familiarizaram com os habitantes negros da África, com as pessoas da Indochina e países até então desconhecidos. Mas, ao mesmo tempo que encontravam pessoas que estavam no estágio mais baixo da civilização material, muitos decidiram que este era realmente o mais selvagem e antigo homem primitivo, e estavam confiantes de que as pessoas recém-descobertas não eram muito diferentes dos animais. 

No final do século XIX. o evolucionista darwinista Ernst Haeckel disse que os selvagens tinham mais em comum com animais, como macacos , cães, do que com o homem europeu desenvolvido. Quando Darwin, ainda jovem veio a Terra do Fogo, ele descreveu os habitantes locais da seguinte forma: homens selvagens, seus olhos se arregalaram, sua expressão facial é monótona, nos lábios existe espuma - não há nada de humano. E esta opinião se enraizou muito rápido na ciência em geral, e em seguida, na antropologia emergente. Surgiu então a ideia de que o homem tinha à sua frente um brilhante futuro e quanto mais rápido ele se liberasse do passado, tanto melhor seria para ele. E de forma que todos estavam bem cientes de que os povos primitivos tinham algum tipo de religião, fé, então tentaram depreciar estas crenças, que passaram a representar como simples superstições grosseiras, uma espécie de barbárie. Em geral, queriam mostrar que a origem da religião estava enraizada na escuridão da ignorância, no medo que os homens tinham das forças da natureza, na impotência, nas limitações, ou seja, em coisas que o progresso poderia e deveria superar.




No final, muitos cientistas chegaram a uma conclusão sobre a importância do elemento espiritual que está no cerne dessas culturas . Trouxeram-nos , embora de forma imprecisa, o esboço de como os nossos antepassados ​​viveram há milhares de anos . E mesmo que seja parcialmente verdadeiro este esboço,é preciso admitir: sim, as concepções do superior, espiritual , sagrado, religioso e moral na vida daqueles povos foi  fundamental.

Aqui chegamos a uma coisa muito importante . Tome-se, por exemplo, um templo indiano , hindu ou budista , ou uma mesquita muçulmana, com suas formas rígidas, em suma, qualquer obra de arte ou arquitetura, eclesiástica ou secular - Catedral de São Pedro, Catedral de Cristo o Salvador da Intercessão em Nerl ( é uma igreja ortodoxa, símbolo da Rússia Medieval), as pirâmides do Egito , o projeto do Palácio dos Sovietes - cada uma dessas estruturas é a manifestação interior da visão que há nas pessoas, a sua fé , é a manifestação de como elas intuitivamente entendem a essência do ser. E se os egípcios entendiam a vida do espírito como eterna, então as obras de arte egípcias eram a personificação da eternidade. Se um grego antigo sentiu que, ali bem perto dele, em seu pequeno mundinho isolado habitado por algumas forças vivas do universo, então ele as retratava de forma bem humana, e de forma tão perto que as ninfas , os sátiros e os deuses pareciam seus irmãos e irmãs.

Na verdade, quando falamos sobre os fundamentos de qualquer cultura , devemos primeiro nos perguntar não sobre algumas formas materiais que a forjam, mas qual  espírito está por trás dela. E, se corrermos os olhos pela história da civilização, sempre podemos determinar exatamente o espírito que está por trás da cultura. Além disso , sabemos que quando uma pessoa começa a desestabilizar-se nas esferas espirituais, a consequência é a confusão , a crise, e esta desestabilização toma toda a cultura . É por isso que estamos aqui hoje. Queremos olhar para a história da espiritualidade, para a civilização do passado do nosso país e de todo o mundo não apenas como uma forma  de curiosidade ( " E como será que era antes ? "), Mas , a fim de compreender o vínculo profundo e indissolúvel da cultura e da fé, a ligação que foi esquecida, descartada e deliberadamente negada. Mas a vida e a prática têm confirmado a velha verdade de que quando as raízes são prejudicadas, e as árvores secam, para reviver as raízes precisa-se entender sua natureza - o que elas precisam? As raízes precisam de umidade e do solo que dão a vida. O solo é a vida, a existência terrena; a umidade é o espírito que alimenta-a. É por isso que é tão importante para nós hoje pensar de onde uma pessoa vem e para onde ela está indo. 

Claro que, em livros ou outros materiais que você teve que ler, você deve ter se deparado constantemente com o pensamento de que o homem primitivo era ateu, ou, como nos foi ensinado, espontaneamente materialista. Mas é muito difícil aceitar este ponto de vista, mesmo porque se  pode dos idólatras podemos ter os ídolos, do fetichista temos o fetiche, do cristão - uma cruz ou algum outro sinal sagrado, então que tipo de sinal material pôde deixar para trás o materialismo espontâneo do homem primitivo? Isto é parecido com aquela história de que, por não se encontrarem fios de telégrafos na antiguidade, chega-se à conclusão que os antigos habitantes do planeta dispunham de telégrafos sem fio! Mas numerosos fatos refutam completamente esta visão dos estudiosos acima descrita.

Eu comecei com a questão de que o homem de neanderthal, o ser predecessor do homem tinha pouca percepção (não vamos tentar determinar exatamente qual ela seria) de que havia uma existência (realidade) diferente. E uma vez que o homem se tornou homem , ele imediatamente encontrou uma conexão com o eterno , ou seja, ele cria a religião. Praticamente, a arte, a religião e o humanidade tem a mesma idade. No entanto, em alguns livros didáticos já vi a declaração, que o homem existiu milhões de anos sem religião. Tivemos um historiador, que até escreveu sobre isso em alguns livros , sendo que um deles tinha o título de " A Era Pré-religiosa ". Mas ele considerou principalmente os australopitecos e o assim chamado “homem de Java” , que não podem ser consideradas como pessoas no verdadeiro sentido da palavra. Biologicamente eles poderiam pertencer ao gênero Homo , mas não o suficiente para ser um homem. 

Que tipo de movimento podemos ver aqui ? Sim , o homem sempre esteve numa plataforma espiritual. Será que isso significa que há evolução? Ou não ? Não, não há evolução, e aqui está a prova. Nas cavernas da Espanha foram encontrados desenhos: nas paredes o artista primitivo do Paleolítico pintou bisões, mamutes, rinocerontes que estavam parados e outros que corriam. Linhas arrojadas , cores impressionantes, o espírito das feras. Nem todos mestres seriam capaz de transmitir uma imagem de um animal de forma tão sucinta, inspirativa , e maravilhosa.

Então surge a pergunta: a arte evoluiu ? Não, não. O “maravilhoso” sempre foi maravilhoso ao longo de toda a história da cultura humana. A Arte teve uma história, isto é, houveram diferentes fases , diferentes tipos de arte e espiritualidade, mas uma evolução no sentido de que houve uma arte primitiva, em seguida, ele elevou-se mais e mais, isto realmente não houve. Se você se lembrar das esculturas clássicas da Grécia antiga (você pode vê-los em qualquer livro escolar) - não há necessidade de pensar que eles chegaram a um certo nível, e que a Arte anterior a esta era inferior. Não, qualquer artista moderno ou historiador de arte irá dizer-lhe que na arte grega arcaica havia seu próprio encanto especial.

No final do século XIX, o  escritor e historiador de arte Peter Gnedich em seu enorme trabalho de três volumes sobre a "História da arte desde os tempos antigos " dedicou duas páginas para os antigos ícones russos, notando que os antigos  não sabiam desenhar e por isto, eles faziam os seus ícones daquela forma e somente depois eles aprenderam a desenhar a anatomia e começaram a representar mais corretamente. Hoje sabemos que esta é uma visão ingênua. A transição para a arte realista, não foi um  progresso, mas foi mais uma fase da história. História é  o destino da criação humana . Com certeza, no mundo espiritual há uma ascensão, mas ela é feita por  leis completamente diferentes , e isso nós vamos conversar , analisando a vida espiritual da humanidade.

Mas para isto é preciso acrescentar o seguinte: estamos acostumados a tratar os fenômenos e processos materiais como a verdadeira realidade , de modo que este é o realismo . E como é que conhecemos a realidade material? A partir da experiência , a experiência de nossos sentimentos. Porém, os mesmos sentidos que temos, também  um chimpanzé os tem, e igualmente um cachorro. No entanto, uma pessoa tem uma percepção diferente, existe algo que nos eleva acima do mundo animal. O homem é um ser espiritual - uma criatura capaz de ter uma experiência diferente do que a experiência dos sentidos. Na verdade, esse dom espiritual recebido pelo homem, é o mais precioso e o mais sagrado. Este dom imortal exige  um tratamento especial, porque ele está plantado no homem como uma semente, e algo dele teve resultar.
Eu estava falando anteriormente sobre as formas primitivas dos seres pré-humanos. O fato é que nós estamos  relacionados não somente com eles, mas somos parentes de sangue de qualquer criatura viva na terra. Estamos conectados com todos os seres. Como é uma célula humana? Nossas células são iguais a qualquer célula de planta e de qualquer outro animal. Portanto, não estamos separados do mundo que nos rodeia, não somos uma categoria à parte, fora deste mundo - estamos todos conectados através do ar, alimentos, água, gravidade. Estive recentemente na chamada “Cidade das Estrelas”, e conversei com alguns astronautas, e eles me mostraram um capacete (escafandro), que usam para sair no espaço. Aquele objeto é construído para se ter autonomia total do meio externo, assim como a própria nave também o é. Mas por quê precisam daquilo? Porque o homem está com todos os seus laços amarrados ao mundo que o rodeia. O homem foi feito da terra. A Bíblia diz sobre ele: " Vocês são feitos da terra , e à terra tornaras". A carne humana foi criada pela palavra de Deus a partir do pó da terra, isto é, a partir de poeira, da própria matéria,  e levamos essa poeira em nós mesmos, até voltar para o pó.
Mas o homem não é só poeira. Ele está relacionado com uma outra dimensão do ser, a qual não pode ser vista. E este é um ponto muito importante.
Vamos começar pelo mais simples. Aqueles que querem limitar o mundo ao que apenas é visível, encontram-se numa estranha posição. É como um observador, que ao analisar um raio-X de um grande artista ou pensador, afirma que não há nada de especial nele e acrescenta: “Olha, a coluna é visível , também pode-se ver o crânio, e o coração.” Mas onde está seu gênio , onde sua mente, onde os seus sentimentos? Sim, tudo que é constituído por matéria pode ser visto através do exame, mas não se pode ver o principal. E realmente, o principal não poderá ser notado com um exame destes. A espiritualidade não está nos limites do campo físico. Ela não é possível ser captada pelos nossos instrumentos. Não!  Precisamos reconhecer que esta realidade (chamada homem) tem dois aspectos: o visível e o invisível. Por isto, no primeiro ponto do nosso " Credo " cristão se diz que Deus é o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, ou seja , dos dois aspectos da vida. Tudo está baseado neste ponto.
Eles estão relacionados intrinsecamente um com o outro. Por exemplo, uma condição séria do corpo pode influenciar o estado de espírito , uma vez que afeta o lado psíquico, e isto pode afetar o estado da alma, e ela pode realizar ações estranhas no corpo. Provavelmente muitos de vocês já ouviram falar sobre pessoas que passam por cima de brasas ardentes, ou pelo fogo, ou que controlam seus corpos , através da yoga. Creio que multiplicar os exemplos aqui não é necessário. Quando você vê as coisas associadas com a hipnose (e de fato a hipnose também é um mistério, porque a palavra em si não explica nada, e na verdade ela continua sendo um mistério para o paciente e para o hipnotizador), você percebe do que é capaz essa parte invisível do homem – sua alma – e quanta força e capacidades ela tem.
 O homem é feito à imagem e semelhança da natureza que o cerca. Na flor existe, como eu disse antes, as mesmas construções de células que há num ser humano, a mesma estrutura, há um núcleo e protoplasma . Mas à que imagem e semelhança é feita a dimensão espiritual do homem?
Para nós, cristãos , como todas as pessoas de fé sobre a terra , que tem sido sempre a maioria, a pessoa na dimensão espiritual é feita a imagem e semelhança do Criador. E esta condição (feito a imagem de Deus) é a sua tragédia, paradoxidade, sua  grandeza e sua felicidade. O renomado biólogo e médico do nosso tempo Alexis Karel escreveu um livro que recebeu o nome de " Homem: este desconhecido. " Na verdade, mesmo Alfred Russell Wallace, que ao mesmo tempo que Darwin, criou a teoria da seleção natural, perguntou-se, assim: “pois bem, uma pessoa precisa de certas condições  para a sua sobrevivência, como por exemplo uma situação familiar mais favorável, onde os mais fortes sobrevivem. Para isso ele precisa de um pensamento abstrato, e para o qual ele precisava de uma busca pelo sentido da vida, busca desinteressada da verdade. E por que no homem então a busca principal está no sobrenatural?”.  E Wallace disse: “A única razão para isto pode ser somente uma: essas propriedades estão enraizados num ambiente diferente, num lugar sobre-natural, e essas propriedades são especiais.”. Esquecer este fato, e mesmo negligenciá-los trás um fardo muito pesado sobre a raça humana. Períodos de ceticismo e espiritualidade sempre foram perigosos.
Quero terminar com a questão mais importante para nós sobre as origens da espiritualidade, um muito atual, ou seja, o problema da moralidade. Você provavelmente já leu o livro de Yuri Dombrowski "Faculdade das coisas desnecessárias", mas gostaria de lembrar da fala entre o herói principal e uma jovem pesquisadora. Quando ele pergunta “Por que você tem esses métodos? por que você trata as pessoas desta forma específica? - Ela responde: “O que lhe foi ensinado na Faculdade?
A legalidade, o direito, o humanitarismo – tudo isto é a “Faculdade das coisas desnecessárias”. Esta jovem, confiantemente, apenas repetiu as palavras de outras pessoas, palavras peculiares a sua geração: “tudo isso são coisas desnecessárias”... Posteriormente verificou-se que estas coisas são na realidade as mais necessárias, porque sem elas o homem perece. Recentemente, li que antes da morte Henry Berry disse: "Eu destruí tantas pessoas e as torturei, e agora eu tenho uma condenação sobre mim. Isso significa que Deus existe. "
É uma pena que chegamos a esses pensamentos apenas em situações críticas, mas antes tarde do que nunca . A questão é: existe uma ordem moral no mundo? Será o bem algo objetivo ou ele é algo inventado por pessoas, uma certa categoria convencional? Se é uma categoria convencional, então é muito fácil de disfazer-se dela, é muito fácil cada um de nós definir os seus próprios critérios de “bem”. Cada pessoa os moldará a partir de um modelo egocêntrico: o bom é o que me agrada, o mal é algo que eu não gosto.
É exatamente como a conhecida história sobre o missionário que estava tentando explicar para o pagão o que é o bem e o mal. Depois disto ele perguntou: "Bem, se alguém roubou de você uma vaca, isto é  mau? - “Sim, é mau”, disse o pagão. “E se você roubar uma vaca? - “Neste caso, isso é bom", respondeu o mesmo pagão.
Todos estamos nesta posição porque  somos egocentricos. E você diz, onde está ele? Por que uma pessoa é egocêntrica? Em primeiro lugar, o egocentrismo vem conosco por toda a infância, cerca-nos. Uma pessoa em sua infância o tempo todo sempre está recebendo, sempre consumindo: é alimentada, acalmada, vestida, e então ela acha que deve ser sempre assim. Esta é uma das razões. Há uma segunda razão , na qual eu quero me deter um pouco. Esta razão que chamamos de pecado original da humanidade. Jean Jacques Rousseau disse uma vez que Deus criou o homem perfeito, mas a sociedade foi que o arruinou, ou seja, as condições externas, e nós sempre tendemos a acreditar nisto. Leo Tolstoy usava no peito em vez de uma cruz, um retrato de Jean Jacques Rousseau. Até o fim de seus dias, Tolstoy acreditou que o homem , por natureza, era bom.
Mas isto é assim mesmo? Aqui lembro-me das palavras do poeta Yevgeny Yevtushenko. Em um de seus últimos poemas ele escreveu: "Eu acredito no homem!". E neste mesmo poema,  ele enumera todos os tiranos , ditadores como  Salazar e Beria . Mas eles também eram homens. Em que, então , acreditar ? Por que devemos acreditar no bom, e não no mau?
Eu posso entender o remorso do czar Ivan, o Terrível. Ele foi um homem educado em princípios cristãos, e sabia que derramar sangue de um inocente era pecado, e mesmo assim ele o fez. Em seguida, confessou seu pecado, contudo, mais uma vez tornou a derramar sangue inocente. E isto o levava a ter um grande tormento na sua alma. E que tormentos podem ter ocorrido com, digamos , Stalin? Ele acreditava que as pessoas eram apenas lixo, criaturas de curta duração e que as matar não custava nada, e isto não era nenhum pecado, nenhum mal havia nisto. Para ele, como para o selvagem pagão acima mencionado, o mal era o que podia machucá-lo, o bem  era estabelecer o seu poder absoluto sobre os outros,  não  existindo qualquer barreira para isto, e todo o resto era supérfluo.
Contudo, o bem e o mal são categorias objetivas, e seguir os princípios do bem faz parte da vontade e das ordens  do Criador. E precisamente porque isto é um mandamento, sentimos e compreendemos não ser tão fácil de realizar. Nós não somos ordenados a, digamos, andar sobre duas pernas, pois para nós é algo natural. Mas quando nos é dito no Evangelho que devemos perdoar, isto sim é um mandamento, pois significa que temos de lutar, criar uma nova realidade,  superar a si mesmos, porque perdoar não é natural para o homem .
Mas, se os mandamentos são dados do alto, por que as pessoas os violam? O homem quebrou o mandamento já desde o início. Eu acho que você se lembra da história descrita na Bíblia sobre as primeiras pessoas. Muitos já riram e ridicularizaram o suficiente essa história, fizeram até mesmo caricaturas dela, mas esqueceram do ponto principal, muito bem expressa pelo profeta  Habacuque certa vez: " Aquilo que foi feito antes, agora está sendo feito novamente". Num de seus sermões, Habacuque falou sobre Adão e Eva e, em seguida, transferiu este drama para os acontecimentos contemporâneos a ele.
A Bíblia nos fala do eterno de forma figurada. O homem está diante de Deus , e diante dele estão bem abertos vastos horizontes, ele recebeu a supremacia sobre toda a natureza, para que a possa (como diz a Bíblia) cultivar e preservar. Isso significa dizer que precisamos entender e trabalhar com a natureza de forma fraternal, tendo em vista que o homem foi criado a partir da mesma terra, como os próprios animais, que são neste sentido seus irmãos e irmãs. O homem é seu mestre, mas não é um tirano, como se vê no relato bíblico ao mostrar que o homem deu-lhes nomes. No paraíso, no coração do Éden, havia uma árvore, a árvore do conhecimento do bem e do mal, à qual Deus proibiu o acesso humano. Deus disse que a pessoa morreria se comesse do fruto da árvore. Claro, você pode estar surpreso do por que o homem não poder conhecer o bem e o mal, pois nisto estaria a própria moralidade. Mas o fato é que esta é uma leitura superficial. A Bíblia deve ser lida atentamente, comparando com outros textos. O bem e o mal neste contexto, não significa “conceitos morais” em si. Podemos dizer que o que aqui se tem em mente são os pólos extremos da vida (bem-mau, saudável – nocivo), como o Yin e Yang chinês. As palavras “bem e mal”, são uma expressão idiomática "tov ve ra", que representa o TUDO no Universo.
E o “conhecimento”? O Antigo Testamento , assim como o Novo testamento, não entende a idéia de “conhecimento”, no sentido abstrato em que é entendida pelo pensamento antigo. Para o pensamento antigo "Conhecer" significa deixar claro para o intelecto. Já para o pensamento bíblico, "conhecer" significa adquirir, fundir, sentir cada fibra. "E Adão conheceu Eva, sua mulher" – “conhecer” é o verbo usado para descrever a íntima união do homem e da mulher. Assim, a árvore do conhecimento do bem e do mal é um símbolo universal da natureza, da existência, sobre a qual o indivíduo não tinha o direito de apoderar-se. Ele não tinha direito ao domínio espiritual, o poder coercitivo, no qual ele poderia se auto-afirmar triunfantemente.
E aqui teve início  o drama eterno. Eva aproximou-se desta árvore, e a serpente, simbolizando tudo o que é vil e traiçoeiro, pergunta para ela:
- Deus vos proibiu de comer de todas as árvores? (Foi uma provocação).
Ela responde:
- Não, tudo é nosso, exceto aquela árvore.
- Por que você não tem permissão para comer desta árvore?
- Porque Deus disse que vamos morrer se nós comermos dela.
- Não morrerão, diz a cobra, mas sereis como os deuses, conhecendo o bem e o mal, dominando o bem e o mal (ou seja, vocês vão se tornar rivais de Deus, vocês serão como os deuses e não morrerão).
E isso foi o suficiente para Eva, nossa primeira mãe, pegar o fruto e olhar para ele, e este pareceu-lhe atrativo. Eva mordeu, e depois Adão.
"Você vai ser como Deus no comando do bem e do mal."
Esta foi a tentativa do homem de afirmar-se , de  contrapor  sua vontade à vontade do Cosmos, à vontade divina, para criar as suas próprias regras , inclusive moral , de atribuir a si o direito de eliminar tanto a natureza, quanto a moralidade. Estes pontos também se encontram no fundo da queda universal da humanidade. É por isso que Rousseau estava errado, ao dizer que o homem,  por natureza, é bom. No interior deste homem existe um antagonismo entre o bem e o mal. E, nas palavras de Fyodor Dostoevsky, “o diabo está lutando com Deus nos corações das pessoas”. Sim, creio que isto é assim mesmo. Se nós retivermos estes pressupostos (o homem não é bom por natureza), então poderemos entender toda a complexidade e grandiosidade da história humana. Nós iremos pelo caminho do esclarecimento, pois não somos ingênuos selvagens que a sociedade corrompeu. O homem vem lutando consigo mesmo, e é preciso passar por esta fase de luta interna.
A história da humanidade não é um caminho de evolução, mas uma batalha que tem vitórias e derrotas feita em nome daquilo que resta do divino que foi semeada em nós.  Quanto mais nos aproximamos de nosso protótipo ideal, mais próximos da realização da nossa tarefa. Pense sobre o que está dentro de você. Não é Deus, propriamente, que vive em nós. Isto teria sido muita ousadia e metafisicamente sem sentido. Somos limitados, os seres condicionados, mas refletimos em nós mesmos uma eternidade, uma incondicionabilidade. E isto deve ser sentido, se passar internamente em nós, pois aqui se inicia a fonte do crescimento espiritual. O crescimento espiritual afeta nossa atitude para com as pessoas, irmãos e irmãs, afeta o nosso trabalho, e isso influencia na maneira como nós conduzimos a vida. Afinal, o único ser neste planeta, entre todas as criaturas, que consegue produzir, criar somos nós. E nós criamos, imitando a Deus, o Criador de tudo.
Assim, a raiz do desenvolvimento espiritual do homem é um esforço em direção ao céu, ao eterno, e isso se aplica não só aos grandes autores-criadores, não só ao período das grandes vôos criativos, mas também à vida cotidiana de cada um de nós. A busca pelo imortal não está longe, mas em nós, e nos é inerente muito mais do que outros aspectos. A nossa felicidade, nossa harmonia interior está em descobrir o imortal. O homem perdeu a Deus no momento em que ele desejou trocá-lo pela sua própria vontade. E isto aconteceu na história da humanidade não apenas uma vez, mas se prolonga até os dias de hoje. "Sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal" - estas palavras são repetidas através dos tempos. Mas o que aconteceu com Adão, quando ele atentou para o fruto proibido? Ele viu que estava nu, e isto foi tudo que recebeu.
E qual a atual situação da humanidade neste século? O século XIX estava cheio de esperanças de que o século seguinte se tornaria o século dos deuses. H. G. Wells intitulou um dos seus livros “Homens como deuses” (Men like gods). Este homem vencedor controlaria raios e trovões, se elevaria  até o Cosmos e desceria até as profundezas do oceano, enfiando-se nas profundezas da matéria, e seria o conhecedor do bem e do mal, tornando-se “como os deuses”. Porém no final das contas, vemos que estamos nus, e que tudo isto não nos ajudou em nada. A ciência, que é maravilhosa por excelência, está impossibilitada de fazer o homem feliz, pois o conhecimento é apenas um lado de nossa natureza, e o que há de mais  profundo no homem está conectado com o que é eterno. O homem primitivo sentia a pulsação do batimento do universo, o segredo da existência. O homem do Antigo Oriente, da Grécia antiga, da Roma, da Idade Média, e de todos os tempos, só era mais maravilhoso na medida que se aproximasse da busca do eterno.
No centro da busca humana, assim como nas encruzilhadas de toda a nossa existência, sempre está a cruz de Cristo. Por quê? O que deveria ter acontecido?
A eternidade não nos é acessível. Sempre me lembro do livro do profeta Isaías. Deus, através dele, diz palavras terríveis:
“Assim como o céu está longe da terra, assim os meus pensamentos estão distantes dos vossos. Eu sou Deus e não homem (hebr. Ani Elohim ve lo adam)”.
O Deus criador não é homem. Ele ultrapassa desmesuradamente tudo o que o homem pode conceber em sua mente. Mas somente os nossos pensamentos humanos de total limitação podem nos auxiliar na tarefa de conceber aquele que “fez o universo pela sua própria força toda-poderosa e dos céus presenteou com a vida a todos na terra, e a nós homens o domínio sobre  este mundo multiforme colorido” (como disse Shota Rustaveli poeta georgiano do século XII, considerado por muitos um dos maiores representantes da literatura medieval). Deus não tem um nome, exceto aquele que Ele próprio nos revela. O homem não pode conhecer mais nada dEle. . E assim, a fim de juntar-se a nós, carregando uma centelha do Divino , ele teve que se humilhar . " Mas a si mesmo se humilhou, tomando a forma de servo, de um escravo " – isto é o que é dito a respeito de Deus , que revelou-se a nós em Cristo.
O aparecimento de Cristo não foi uma manifestação moral nova, ou uma nova doutrina, ou uma nova filosofia, mas a revelação do Eterno na sua plenitude, dentro daquilo que nos é possível receber. Por isto a História da cosmovisão que iremos seguir ao longo destes nossos encontros, é o caminho desde Adão (ou seja, do ponto de onde o homem se separa de Deus), até Cristo. A partir de Cristo existe apenas 2 caminhos possíveis, ou seguir atrás de Cristo, ou afastar-se dele. E aqui está toda a essência da história universal. A igreja instituída por Jesus Cristo, repete para nós as palavras dEle: “Siga-me, siga-me” Aquele que quiser vir após mim, tome a sua cruz (ou seja, seu ministério) e siga-me. Ainda se pode ir contra Cristo, voltando atrás. Esta volta é uma contínua repetição do pecado de Adão, que quis ser como Deus, e que por fim acabou apenas nu e impotente.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Aula com o Dr. Adolfo Roitman


Não é segredo, ao menos para mim mesmo, que tenho verdadeira paixão pelo estudo da Bíblia e tudo que envolve este fascinante livro. Quando isto se alia a outra paixão, História e arqueologia, o caso fica realmente empolgante.

E este encontro aconteceu de forma magnífica nesta semana. Alguns anos atrás eu estive na exposição dos manuscritos do Mar Morto, que ocorreu em São Paulo. Fascinante ver diante de si parte daquele tesouro da humanidade. E esta aproximação com o tema não parou por aí. Fiquei sabendo que haveria uma palestra sobre o nome de "Os manuscritos do Mar Morto e sua Relevância para o Cristianismo Primitivo", que seria  ministrada nada menos de que pelo Dr. Adolfo Roitman, curador do Museu dos Manuscritos do Mar Morto e Diretor do Santuário do livro de Jerusalém (onde estão expostos os rolos). Em outras palavras, o guardião desta preciosidade incalculável, não apenas para a História por ter sido a maior descoberta arqueológica dos últimos tempos, mas por sua importância no estudo das próprias Escrituras Sagradas.

Assisti à palestra que durou 1 hora e meia. Muitas das informações já eram conhecidas, e que estão acessíveis em qualquer livro ou site da internet, outras nem tanto. Mas a questão nem era tanto o que foi dito, mas por quem foi dito!  O que levei daqueles momentos foram os insigths, as pontes e confirmações de suspeitas próprias.

Após o tempo de palestra, não resisti e fui falar com o grande curador. Ele, apesar do cansaço provocado pelas várias viagens e compromissos, não deixou de me responder uma pergunta. Tentei ser o mais “profissional” e “erudito” na pergunta, pois era uma oportunidade única, e não queria despejar sobre ele todas as milhares de perguntas que poderiam ter sido feitas. Sua resposta foi mais do que um “sim” ou “não”, mas mais uma aula dada de forma lacônica. Admiro pessoas que conseguem dizer tudo, sem quase dizer nada! Acostumado a receber presidentes, políticos de altíssimo escalão, ele colocou sua posição sobre o assunto com certa nobreza de um verdadeiro magnata e com a simplicidade de um camponês.

Ainda satisfeito com esta pequena aula, tive tempo de pedir para tirar uma foto com o “mestre” para deixar como recordação deste momento único.

Aprendi também, que a arrogância está no coração humano, não no conhecimento. Somos donos de nossos corações, e devemos cuidar para que ele nunca se encha do maior de todos os erros, o orgulho!


Fé e Ciência - uma nova perspectiva

“A fé e a ciência”, ou seria “a fé é uma ciência”? Os abismos que separavam estas duas palavras nos séculos passados, cada vez mais estão sendo diminuídos. A prova disto é o aumento de pessoas da ciência que abertamente têm proclamado algum tipo de crença religiosa. Mas este encontro da fé com a ciência tem provocado um fenômeno interessante. Se a ciência tem mudado sua abordagem de questões que estão relacionadas mais ao campo da religião humana, a fé tem sentido igualmente a força da erudição. E este processo não é algo indesejado, conforme muitos religiosos sustentam, mas uma possibilidade de sairmos de conceitos ainda medievais e retrógrados de nossas teologias.

Uma ciência bem feita será uma experiência religiosa, e uma religião bem feita, será científica. Por “religião” aqui entendo a tentativa de um encontro com o divino. Neste caso o estudo da Bíblia, pode ser algo absolutamente “científico”, pois ela não estará em desacordo com o Criador da própria ciência natural. O fato é que uma análise destes textos, com o intuito de encontrar o seu verdadeiro  sentido, cercado das várias áreas do conhecimento adquirido ao longo de nossa jornada neste mundo e ainda aliado à auto-revelação transcendente do Criador nos levará até profundos conhecimentos.

O problema é que as pessoas estão à procura de um conhecimento que está desconectado da verdade. O que interessa é a satisfação de suas vontades, ou mesmo de seu senso de “eu estou com a razão!”. Mostrar que “E a Bíblia tinha razão” não é tão pouco um exercício de elevada espiritualidade. Até o momento, não tenho razões para duvidar da afirmação de que a Bíblia tem razão. E como poderia, pois ela é o meio pelo qual o Criador se comunica com nossa raça? O que pode ter caído por terra são premissas teológicas ou doutrinárias, pois estas não são a Bíblia. Elas, muito pelo contrário, são interpretações, esquematizações e sistematizações feitas por homens, muitos dos quais pios e “santos” em sua conduta e fé, mas ainda assim, seres passíveis de equívocos.

Que caiam a teologia, que desmoronem os dogmas, mas a Palavra permanece um impávido colosso, ultrapassando Eras. A ciência humanista tem atacado este Livro por muito tempo, mas apenas conseguiu emacular as camadas externas da teologia, sem contudo, provocar qualquer arranhão na face do Livro. Não creio na teologia, nem na ciência, mas creio no Livro. Tanto a teologia, como a ciência são áreas passíveis de interpretações e interpolações, e as interpretações podem ser equivocadas ou incompletas.

Estamos engatinhando nesta nova era científica. Nossa teologia foi alicerçada há quase 2000 anos, quando ainda pouco tínhamos consciência de nosso “Cosmos”. Porém, a Palavra fluiu da fonte criadora deste mesmo cosmos. A Bíblia não é um tipo de manual de ciência como conhecemos hoje, pois os manuais são contemporâneos, e imperfeitos, incompletos. Como texto eterno, a Palavra não fala apenas ao homem moderno, científico, mas precisava abranger a todas as Eras da existência humana, e é aqui que ela se apresenta como verdadeira fonte do saber, pois é atemporal, acultural. Ela é fonte de interesse por parte de uma criança que a pouco aprendeu a ler, e fonte de profundos estudos de cientistas sérios.


Não  importa qual a abordagem que alguém possa ter em relação a este Texto, sempre sairá impactado pela aura de conhecimentos ali contidos. Esta Palavra é fonte inesgotável. Nunca poderemos chegar a afirmar: “pronto, não há mais nada a aprender com ela!”. E isto se explica pelo fato da fonte primária dela, o eterno e infinito Criador, dono e criador da própria ciência! A Ele somente a glória, amém!!!

sábado, 3 de agosto de 2013

     Vídeo:  Literatura Apocalíptica - SEMIBA

     Vídeo:  Métodos de Estudos Bíblicos

Matérias que lecionarei neste semestre no SEMIBA/SP.
Caixinhas... 

Vivemos num mundo dominado por caixas. Elas estão por todas as partes, ocupam os espaços, invadem nossas vidas e nem percebemos. Mas basta darmos uma olhada ao redor e lá estão elas, cercando, limitando, contendo.

Elas são um mal necessário numa cultura puramente consumista, pois padronizam, dão o limite e o valor correto do que carregam, dando-nos noção de segurança e de confiabilidade. Ao pegarmos, por exemplo, uma caixa que contem a inscrição “1 litro”, sabemos que ela leva em si um padrão de medida correto e não deixa o volume extrapolar o indicado, nem mesmo conter demasiadamente menos do que promete, e isto torna o preço pago justo, pois  todos que comprarem aquele produto estarão levando a mesma quantidade pelo mesmo preço que nós. É uma massificação das coisas.

Mas existem caixas muito mais perigosas. São aquelas que nós impomos a nós mesmos e aos outros como padrões exatos e inquestionáveis. Não existe espaço para perguntas e dúvidas. O que é, é!

Por isto padronizamos, massificamos. Assumimos que as caixas são os limites da realidade e do mundo.
Nossa visão vai somente até as paredes, não imaginando que exista algo além da tampa. E aqui é que reside o grande perigo.  Neste afã de padronizarmos tudo, perdemos a percepção de que existem aspectos da vida que não podem ser encaixotados. Para nós, limitados, aquilo que extrapola as dimensões da caixa, precisa ficar do lado de fora dela, pois não existe espaço interno para acomodar o objeto “subversivo”.

Mas se este objeto passa a ser necessário e inevitável, não podendo ser ignorado, nós iremos construir uma caixa ainda maior para poder comportar tal objeto. Contudo, isto levará muito tempo até ser assimilado e aceito. Muitos hereges da “desencaixotação” e “reencaixotação” irão pagar o preço de teimar numa revisão do tamanho da caixa em que vivem.

Quando falamos da incapacidade de “encaixarmos” determinados assuntos, nenhum pode ultrapassar a ridícula tentativa de colocar Deus nas nossas amadas caixas. Por definição (que já é uma CAIXA), Deus é, entre outras coisas, Criador e infinito, e somente estes dois aspectos já colocam nossa tentativa em completa contradição e impossibilidade de realização. O infinito não pode ser contido, armazenado e limitado por criaturas de condição finita. Creio que neste aspecto muitos irão concordar em tese, mas na prática diária irão continuar buscando uma caixa que seja ao menos compatível para Deus. Definimos Deus, ditamos sua vontade, descrevemos sua Teologia, restringimos sua ação. O Deus de muitos cristãos está agora dentro de compartimentos, etiquetados e usados conforme suas preferências.

Enquanto isto, Deus está do lado de fora das nossas convenções, provavelmente rindo de nossas tentativas estapafúrdias de definir o universo baseados na altura e largura da parede à nossa frente. Em muitos momentos, estas conversas de loucos, como que numa caverna escura, acabam por se tornar o que chamamos de RELIGIÃO. Ela é a fosca tentativa de tentarmos explicar projeções de sombras extra-caixa feitas nas paredes, só! Em muitos casos, estas tentativas até  geram seres que irão se libertar do interior, e que buscarão o motivo da sombra não na própria sombra, mas no mundo que está além da tampa.

Entretanto, na maioria dos casos, apenas teorias enlatadas irão aparecer para explicar as sombras.
Pode ser exatamente por isto que Cristo veio. Ele precisou vir para dentro de nossas caixas humanas para de alguma forma poder nos levar para fora e mostrar o mundo como ele realmente é. Ele foi a luz do mundo, pois veio da luz, a luz que está lá fora. Muitos, contudo, ficaram ofuscados por esta luz e tiveram medos, fobias e desesperos, pois a luz era demais para eles. Outros ainda, que até chegaram à entrada, ao olharem para fora, não puderam enxergar nada, pois estavam acostumados com a escuridão da caixa. Porém, aqueles que confiaram nEle, encontraram o Pai em glória e luz do outro lado. Mesmo não entendendo de imediato a nova Realidade, muitos resolveram baseados em sua intuição (fé), aceitar a “nova” visão de mundo.

Caixas nos limitam e atrofiam. Nossa capacidade limitada não nos permite vivermos sem elas, mas precisamos saber que elas não são a Realidade final. Sempre haverá algo além. Acreditar nisto, é viver. E crer naquele que tudo fez, é ter a vida eterna!

Que possamos aprender a ter nossos olhos voltados para as tampas, sempre esperando ter respostas que vão além das sombras nas paredes!


Leialdo