sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A Liberdade aprisionante e a Prisão que liberta

Uma das mais marcantes capacidades humanas, do meu ponto de vista, é a capacidade de adaptabilidade. Por mais inóspita que seja a situação, pessoas conseguem se adequar ao meio em que estão. Não, não digo que todas tem esta capacidade de forma absoluta, mas se analisarmos, aprendemos a nos amoldar socialmente, culturalmente,
climaticamente, etc.

Por outro lado, ao nos acostumarmos com determinada situação, especialmente sendo ela agradável a nós, tendemos a resistir à mudanças. Gostamos (quase todos) de
estabilidade, o que para a maioria significa “segurança”. Um dos bens com o qual nos acostumamos facilmente é a liberdade. Amamos ter esta sensação de ser livre, solto, independente. Mas o que é a Liberdade?

Em 2005 saímos do Brasil para uma experiência, no mínimo, inusitada. Ao chegarmos na Rússia, pisávamos num pais que historicamente pouca tradição de liberdade pode exibir. Apesar da Era Soviética ficar marcada na mente ocidental pela absoluta falta do nosso suposto maior bem (a liberdade), o fato é que desde tempos imemoráveis a situação sempre foi assim lá. Mas os ares agora eram diferentes, não é? A Perestroyka, a democracia, o capitalismo iriam mudar todo este contexto milenar! Tola ingenuidade ocidental...

Igreja em Krasnodar, 1998.
Em nossa primeira conversa com a equipe, descobrimos que nunca sairíamos do alcance dos olhos das autoridades locais. Fomos informados que existiam olheiros infiltrados dentro dos cultos públicos para vigiarem os movimentos que aconteciam dentro da igreja. Não era uma questão de suspeita, mas de fatos conhecidos da liderança. Todo o processo judicial que estavam enfrentando com a prefeitura local, pressões religiosas, indicavam claramente que todos os passos eram vigiados.

Certo dia, fomos chamados pelo responsável local de nossa equipe, que nos disse que seríamos “apresentados” para a igreja no domingo seguinte. Naquele dia, nosso líder local enfatizou para a igreja também a nossa situação de estudantes da Universidade Estatal. Na mesma semana recebemos a visita do diretor geral. Ele iniciou a conversa pedindo mil desculpas pelo ocorrido naquele domingo. Ficamos sem reação, não entendendo exatamente o que ele queria dizer, até que finalmente descortinou-se a questão. Era conhecido de todos (menos de nós, até então) que havia pessoas naquele auditório que eram na verdade espiões, e que recolhiam informações a cada domingo. O fato de nos apresentarem como parte da equipe e incluir a informação de nosso vínculo com a Universidade foi um erro, pois agora, aquilo que poderia ser suspeitado pelas autoridades, se tornou um fato comunicado publicamente. E isto poderia comprometer nosso futuro, tanto na Universidade, como no próprio país. E de fato, nos próximos anos, a direção de alunos estrangeiros da Universidade deixou bem claro o conhecimento desta informação. Mas entramos no jogo, sendo sem parecer o que se era.

Em uma oportunidade, meses depois, numa conversa com uma pessoa que estava fazendo parte do ministério que estávamos ajudando na ocasião, mencionei que éramos “missionários” e que estávamos ali devido ao visto estudantil. Nas semanas seguintes descobri que a pessoa não era cristã, o que já me deixou preocupado. Para piorar, descobri que esta pessoa era professor na própria Universidade... Depois daquilo, nunca mais a vi no ministério!

Aprendemos que nunca podíamos estar seguros em relação às conversas que tínhamos. Todos eram suspeitos, espiões, agentes secretos, infiltrados, KGB. Aprendemos a viver como os russos, suspeitando de tudo e de todos. Cada conversa era potencialmente perigosa! As histórias de deportações e vistos negados eram sobremaneira abundantes para serem desconsiderados.

Neste sentido, sempre nos sentimos presos, policiados. Nossa liberdade sempre estritamente vigiada. Mas como dissemos antes, sempre acabamos por nos adaptar, achar mecanismos de compensação. Mas afinal, o ponto central nunca foi ou é uma questão de Liberdade. A própria liberdade pode nos escravizar. O que realmente importa na vida é nossa atitude para com nossa vida espiritual. A lição que numerosos mártires russos presos e mortos por sua fé é pertinente para nossas consciências “livres”. Mesmo nas cadeias, eles eram livres. Mesmo na morte, eles eram vivos. De que adianta ganhar toda a liberdade, mas perder a vida eterna? Melhor seguir a Cristo numa prisão do que a Satanás num palácio!!!

A Ele toda a glória!!!


Leialdo

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