segunda-feira, 24 de novembro de 2014

SERPENTES E POMBAS

O clima de apreensão decorrente da política adotada na Rússia em relação às “seitas ocidentais” estava definitivamente instaurado, especialmente na região de Krasnodar em meados da década passada.

Mas uma geração nova de cristãos não-ortodoxos havia crescido, frutos da massiva evangelização em curso na década final do milênio passado. Esta geração estava agora entrando nas universidades. O problema começou quando os novos cristãos comprometidos se dispuseram a compartilhar a sua fé com os outros estudantes.

Organizações cristãs haviam entrado entre os universitários, e o trabalho estava se firmando. Mas a política repressiva já varria todos os segmentos, e a universidade não ficaria obviamente de fora. Reuniões coletivas foram “desestimuladas”, e os vistos estudantis para estrangeiros mais vigiados. Ninguém escapava dos olhos atentos do diretor do departamento de alunos estrangeiros, um senhor já muito idoso, conhecido como ex-agente da KGB, que esteve em muitos países, inclusive por toda a América Latina, morando anos em Cuba, e conhecedor do espanhol. Mas existe "ex-agente"?

E não apenas os estudantes estrangeiros eram vigiados. Em 2005 uma estudante da universidade foi expulsa por motivos escusos. Apesar de toda a camuflagem feita pela própria Universidade, sabia-se que o motivo era o fato dela ser cristã. Ela entrou com uma ação para ter o direito de voltar a universidade, alegando que a constituição lhe dava o direito de professar sua fé de forma pública. Seguiu-se uma batalha judicial que se arrastou por alguns meses. No final, a moça ganhou o direito de voltar. Ela era membro da igreja que frequentávamos no nosso primeiro ano na Rússia.

Aquela situação serviu para estarmos atentos para o que acontecia ao nosso redor, pois éramos estudantes da mesma Universidade, e ficou muito claro que todo o cuidado era necessário. Nossa vida universitária lá precisaria ser imaculada e livre de suspeitas. Sabíamos que eles sabiam, mas não podíamos dar motivos para acusações. Fomos questionados algumas vezes por professores, que nitidamente queriam identificar nossas “reais” intenções, mas a posição adotada de sermos sempre comprometidos com os estudos nos deixava numa posição de graça diante de professores e diretores. Aprendemos as orientações de nosso Mestre em Mt 10: 16. Muitos, infelizmente, não tiveram a mesma prudência, e pagaram caro por isto. Isto ocorreu, por exemplo, 1 ano antes de chegarmos, quando um grupo de coreanos cristãos foi acusado de não estarem cumprindo com sua tarefa estudantil e foram mandados embora pela Universidade. Eles haviam pego o visto estudantil para se infiltrarem na vida universitária.

Existe ocasiões de sermos pombas, contudo, em outras precisamos ser muito mais como serpentes, conforme Jesus ensinou....

Leialdo

Textos anteriores desta série:
O expurgo
Sementes entre espinhos

http://provocaacoes.blogspot.com.br/2014/11/o-expurgo-de-2002.html
http://provocaacoes.blogspot.com.br/2014/11/sementes-entre-espinhos.html

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Sementes entre espinhos...


(Marcos 4.18)

Havíamos chegado naquela primavera de 2002 para conhecer o trabalho de uma associação de igrejas parceiras no sul da Rússia. Esta União vinha implantando igrejas no sul do país desde o final dos anos 80, quando a liberdade religiosa começou a se firmar. Os planos eram ambiciosos, fundar 500 igrejas em 10 anos. Eles contavam com um Seminário Bíblico que tornou-se o segundo maior do país, tendo alunos vindos de várias regiões. As oportunidades de publicamente apresentar Jesus Cristo nas ruas das cidades e em grandes shows avolumavam as possibilidades de crescimento numérico. O custo de manutenção de uma família pastoral-missionária era extremamente baixo para os padrões ocidentais, cerca de 100 dólares mensais. E para muitos esta era uma oportunidade de escapar da forte crise econômica e da altíssima taxa de desemprego pela qual passava o país. Ainda havia a apelativa popularidade que o ministério pastoral exercia sobre as multidões que acorriam para os locais de encontro das igrejas “ocidentais”.

Contudo, a situação muda radicalmente no início do novo milênio. O país inicia a sua recuperação econômica e o clima de liberdade religiosa toma outros rumos. Aqueles que haviam encontrado uma tábua de salvação no ministério, agora veem aparecer diante de si outras possibilidades de ganhar a vida. Os custos para se manter uma família aumenta, e os recursos vindos de fora começam a minguar. O interesse e a curiosidade do povo pelo “novo” vai desacelerando, e no lugar aparece um sentimento de repúdio pela intervenção estrangeira na vida religiosa nacional. Os planos audaciosos de implantação de igrejas são praticamente abandonados, sendo que a Associação não consegue superar a barreira de 50 igrejas e congregações. O mesmo ocorre com todas as outras denominações!

Mudamos para a Rússia em 2005, em meio a crise e incerteza das igrejas locais. Após 6 anos de ministério lá, pudemos notar pouca mudança no quadro geral. Em alguns casos, houve uma significativa piora, já que igrejas estavam definhando e morrendo. A pressão externa dos órgãos governamentais, a campanha difamatória da igreja oficial do Estado, mas principalmente as preocupações e riquezas deste mundo, levaram o movimento de evangelização a uma estagnação completa. O que o socialismo ateísta não conseguiu em 70 anos, parar a igreja, o capitalismo materialista o fez em menos de 10 anos. Hoje a igreja russa luta para sobreviver, sufocada pelos espinhos e pedras.

Mas a pergunta que fica para nós aqui no ocidente é: não corremos os mesmos riscos com nossa teologia mais voltada para posses, bençãos e prosperidade? Não seria isto apenas um outro nome para o mesmo veneno? Que tipo de sementes somos?

A Deus somente a glória!!!


Leialdo Pulz

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Expurgo de 2002

     Logo após a abertura da então União Soviética, no início dos anos 90, várias organizações religiosas entraram na região. Um solo fértil para a propagação de inúmeras correntes religiosas estava esperando os estrangeiros. A forte desestabilização econômica do país, aliado a décadas de doutrinação ateísta levavam multidões a buscar nas novas “religiões” a salvação das suas mazelas.

     Entretanto, o quadro começa a mudar no final daquela década. As portas foram se fechando, e entre 1998 e 2005, 52 missionários de instituições religiosas não-russas foram expulsos do país. O auge desta política de deportação ocorreu em 2002, quando foram feitas 28 expulsões.

     O temor da expansão religiosa estrangeira tornara-se uma questão de segurança nacional. A pressão da Igreja Ortodoxa Russa para que se barrasse o avanço dos estrangeiros se intensificou nesse ano. Todas as instituições de caráter cristãs foram tachadas de “seitas”, e uma forte propaganda anti-ocidente tomou conta dos meios de comunicação. A acusação era comum aos ouvidos russos: colonialismo religioso ocidental.

   Entre os afetados pelo expurgo de 2002, estava Leo Martensson, missionário da Suécia, que residia na região de Krasnodar. Ele teve seu visto de permanência revogado em setembro daquele ano. Leo trabalhava na tradução da Bíblia para a língua dos adyguês, uma etnia local. A sua partida foi extremamente lamentada por pastores locais que serviam a Cristo junto àquela etnia. Leo Martensson foi um dos grandes homens de Deus que foi perseguido e ameaçado por causa de seu trabalho na Rússia.

     A partir desse momento, o clima na região sul da Rússia mudou, e a receptividade inicial tornou-se em resistência e animosidade. Quando pela primeira vez estivemos na região, naquele ano de 2002 mesmo, já ouvimos falar de casos de perseguição que vinham acontecendo. A opressão velada, camuflada e silenciosa teve início. Veríamos e sentiríamos isto nos anos seguintes...

     Mas relataremos os casos em outra publicação!

     
     Oremos pela igreja de Cristo na Rússia!

Leo Martensson

Fontes: